Relato de Pesquisa
Julho de 2012
Anelise Mayumi Soares
Fui
em busca de realizar a pesquisa com mulheres da cidade de São Paulo. O intuito
primeiro era o de observar como as mulheres reagiam às intervenções masculinas
como cantadas, olhares e assovios quando elas passam. Escolhi a Av. Paulista
próximo ao Shopping Center 3 como ponto de investigação, no horário de almoço
de um dia da semana. Observei durante cerca de 30 min e me surpreendi ao
perceber que as pessoas ali mal se olhavam. Durante todo esse tempo diversas
mulheres bem arrumadas, bonitas e atraentes passaram por diversos homens e não
constatei nenhuma investida dos homens sobre as mulheres. Fiquei muito surpresa
e tentei entender o porquê, resolvi servir de “isca”, e caminhei pelas calçadas
passando por entre os homens, atrai alguns olhares, mas nenhuma cantada. Pensei
que talvez a Paulista seja um lugar em que atingimos o ponto de respeito ideal,
ou simplesmente que na correria do dia a dia as pessoas não se olham. Mas
questionei também a minha expectativa no projeto Maria Sem Vergonha, em que
afirmava a quantidade de investida que levam as mulheres, e pensei que talvez
não fosse tanto assim...
Eu
estava acompanhada pelo meu companheiro e pedi a ele para que cantasse,
assoviasse, chamasse a atenção de algumas mulheres na entrada do metro para que
eu pudesse constatar as reações corporais que elas tinham. Fizemos isso com
umas cinco mulheres e a reação foi unanime: o ignorar. Todas as mulheres
ignoraram, todas abaixaram o olhar e uma passou a mão no cabelo.
Pegamos
o metrô e fomos ao centro da cidade. A caminho da linha verde para a amarela
tive curiosidade de saber o que os homens fariam caso eu os olhasse. Afastei-me
um pouco do meu companheiro e nas esteiras rolantes passei a olhar fixamente para
alguns homens com os quais cruzasse o olhar. A primeira reação deles é também
me olhar nos olhos, em seguida desviavam o olhar e depois, já mais distantes,
olhavam para trás, talvez para conferir se eu ainda continuava olhando. Nenhum
deles baixou o olhar, ignorou, ou passou a mão nos cabelos. Dois deram um
sorrizinho. Caminhei ainda dentro da estação, com a cabeça erguida e olhando
todos os homens que passavam, ainda que não me olhassem, meu companheiro que
estava mais atrás constatou que todos os homens que passaram por mim me olharam
depois de passar. Paramos em um canto e observamos que nenhuma mulher passou
por nós com a cabeça erguida e olhando, com o olhar aberto. Todas sempre muito
fechadas. Meu companheiro tentou olha-las, mas não houve nenhuma troca de olhar
apesar das várias tentativas (...)
Fomos
até a praça do Patriarca e lá também constatamos que não havia cantadas, apenas
olhares. Resolvi servir de “isca” novamente e quando caminhei cortando uma via,
quase esbarrei com um homem ao passar por ele, mas quando passei virei para
olhá-lo, olhei nos olhos, e passei. Meu companheiro que observava de longe me
contou depois que ele coçou, ajeitou seus órgãos genitais quando passou por
mim. Isso me deixou bastante enojada.
Numa
via de bastante movimento de pedestres resolvi ficar parada no meio. Sem nada
fazer. Muitos homens passaram me olhando, um grupo de 4 rapazes que vinham
pelas minhas costas brincaram que iam me tocar, mas não tocaram. Essa
experiência de ficar parada foi incrível, porque é ir no contrafluxo da cidade
em pleno fervor. É uma experiência cinematográfica. Mudei de lugar e fiquei
parada de costas para a loja Marisa, para observar melhor o movimento, meu
companheiro me avisou que havia um homem atrás de mim. Como estava de frente para
um prédio de vidro, pude ver que o homem estava exatamente atrás de mim.
Esperei um pouco e virei bruscamente para olhar em seus olhos, de imediato ele
se surpreendeu, me olhou e desviou o olhar. Fiquei parada ainda lá olhando
diretamente pra ele por algum tempo, ele desviou o olhar, fingiu que eu não
estava lá. Eu sai andando e fui para outra rua. Achei a atitude dele muito
suspeita, ele estava parado, encostado na porta atrás de mim, exatamente atrás.
Nesta
outra via, pedi novamente para que o meu companheiro intervisse junto às
mulheres para eu observar suas reações. Fizemos isso com mais 3 mulheres: uma
deu um sorriso discreto, todas passaram a mão no cabelo, duas ignoraram, mas
todas desviaram o caminho.
Nesse
momento estava acontecendo na praça um comício da campanha do PT para o
candidato Haddad, e percebi muitas meninas, mulheres carregando e balançando
bandeiras gigantes do partido. Cheguei mais perto para observar e fiquei
espantada com o que via. Um trio elétrico, de porte pequeno, carregado de
meninas entre 18 e 20 anos todas de shortinhos jeans, pequenos e apertados, com
camisetas e bandeiras do partido. Aquilo era um acontecimento, eu nunca havia
visto algo assim, mulheres sendo corporalmente expostas para a campanha de um
candidato político. Fiquei chocada. Elas dançavam ao som de um Rap do partido,
eram fotografadas, eram pequenas celebridades. Percebi atrás de mim um grupo de
meninas que cantavam e dançavam funk balançando as bandeiras. Percebi que
muitos homens passavam por elas, olhavam e mexiam. Percebi que elas não ligavam
e continuavam dançando e cantando. Resolvi entrevistá-las.
Eram cerca de 5 meninas, entre 14 e 18 anos, uma
delas grávida.
- Meninas, o que vocês acham de serem cantadas
pelos homens que estão passando?
A: Eu gosto.
B: Eu acho que a gente está arrasando!
- E o que vocês têm vontade de fazer quando eles
cantam vocês?
Várias: Dá vontade de dançar mais, cantar mais!
- Por que vocês acham que eles fazem isso?
C: Ah, porque homem é tudo safado mesmo.
Nesse
momento elas foram chamadas pelo organizador e encerrei a entrevista
agradecendo. Permaneci por perto e percebi que algumas das meninas ficaram
paradas observando as meninas sobre o trio elétrico, que estavam sendo foco das
atenções.
Saímos
e fomos mais para perto da praça da Sé, pedi para o meu companheiro dar uma
cantada mais duas vezes. Uma para uma mulher entre 20 e 30 anos e outra para
duas mulheres na faixa dos 40 a 50 anos.
Depois
de serem cantadas corri atrás delas e fiz a mesma pergunta que fiz para as meninas.
A mulher de 20 anos, ignorou a cantada, desviou o caminho, estava de óculos
escuros e respondeu da seguinte maneira:
- O que vocês acham de serem cantadas pelos homens
que estão passando?
A: Sei lá, eu nem sei o que eu acho. Acho que é um
desrespeito, né? Com as mulheres.
- E o que vocês têm vontade de fazer quando eles
cantam vocês?
A: Eu tenho vontade de voar em cima deles!!!
- Por que vocês acham que eles fazem isso?
C: Ah, talvez para ver se tem alguma chance de
conhecer a pessoa, de ela dar bola pra eles.
Em
seguida fizemos o mesmo procedimento com duas mulheres que estavam juntas de
cerca de 45 anos. Elas estavam muito arrumadas e por onde passaram chamavam
atenção, recebiam olhares e cantadas. Quando fui entrevistá-las, foram um pouco
resistentes a principio, mas responderam:
- O que vocês acham de serem cantadas pelos homens
que estão passando?
A: Nossa, eu nem percebi. Vou passar a observar
mais.
B: Não percebi mesmo...
- Mas e quando vocês são cantadas, e percebem, o
que vocês acham?
A: Eu acho bom para a autoestima, faz a gente se
sentir bonita.
- E o que vocês têm vontade de fazer quando eles
cantam vocês?
A: Nada, absolutamente nada.
- Por que vocês acham que eles fazem isso?
C: Ah, porque são safados. Homem é tudo
sem-vergonha.
Comparando
as entrevistas pude fazer algumas constatações, uma delas é que a faixa etária
diz muito respeito sobre como vão reagir e o que as mulheres pensam sobre as
intervenções dos homens. Outra constatação é a reação das mulheres, quase
sempre ignoram a presença, baixam os olhos e passam a mão pelos cabelos. Ainda
não consegui criar a sequência de movimentos, mas pretendo fazê-la em breve.
Essa pesquisa me deu bastante repertório e reflexão para isso!
É
isso ai.
Maria Anelise
Nenhum comentário:
Postar um comentário